Quase um Rap
Heleno de
Paula
Desperto as quatro da matina
Levanto na maior maestria
É tão cedo que as retinas se perguntam
Será noite ou já é dia?
Acordo pronto pra guerra
Aquela velha causa de batalha
Vou defender o pão e o leitePorque de ontem véio!
Nem me sobraram as migalhas
Em dois minutos chego ao fronte
É isso mesmo mano
A um pulo de onde eu moro
Cê sabe onde!
Logo ali no canteiro centralEntre as esquinas das prima
Os farolete em meio ao caos
Atravesso o paço
E a cada passo penso na vida
Que é quase um rap
Procuro rir na rima certaPra não chorar a triste sina
Seguimos em frente me acompanhe
Bem-vindo ao clube tio
Essa é a minha história
Não sei ler nem escrever
Mas ainda penso em vitória
Vamos fazer o seguinte:
Transformar o que te conto em poesia
Você vem escreve a letra e tal
Mas faz maneiro, porque se der...
Faço um som, saca?
A batida, a melodia, na moral!
A parada é essa:
Nasci nas ruas sim, é nóiz fita!
Não tenho vergonha, nem orgulho de dizer,
Tenho apenas o temor dos que pensam mal de mim
Dos maus, do que podem vir a me fazer,
Será que me tornei uma aberração por isso? É... vai
saber!Quando acontece algo de ruim
Não se apresentam, nem dá tempo de me conhecer
Incrível como a crítica me atinge, só caô!
Sou fuzilado dia após dia
Assaltam-me a dignidade de viver
Vendem a minha alma
Marginalizam e depois me afagam
Putz! Tudo é mera hipocrisia
Mas quem sou eu para julgá-los?
Quem sou eu?
Quem sou?
Chega a tarde o sol me arde
E ainda me dizem:
Se fosse neguinho seria pior!
Mas o que isso importa?
Pra que tanto alarde?
As chibatadas já estão tatuadas em minhas costas
Sou brasileiro, mestiço convicto, puro e verdadeiro
Sobrevivo entre rasteiras e cambalhotas
Ouço muito mais, até coisas que o Pai duvida
Mas na cabeça só me resta a voz de minha velha
Mulher guerreira que jamais será esquecida
É tipo um ditado, que assim se diz e ensina:
“Pra tudo nessa vida sempre tem uma saída”
Procuro a porta mas não acho, então eu grito:
Mãos ao alto!
Acalmem-se! Vamos glorificar o Senhor!
E aí me pegam e me batem!
Misericórdia meu Deus!
“Eles não sabem o que fazem”
Assim cresci, me transformei, e...“Eles não sabem o que fazem”
Já deu meia-noite tenho que partir
O quanto pude te juro tio, me desenvolvi
O que espero do futuro?
Hã! Só amanhã vou descobrir
Sob a lua ou meu abajur
Estendo minha cama, o papelão
Dou boa noite a minha mina
A madruga é fria,
Hoje vou dormir com meus irmão.